quarta-feira, 15 de junho de 2011

25.Não sei, Marilia, que tenho (Lira XXI) de Tomas Antonio Gonzaga

Não sei, Marília, que tenho, 
Depois que vi o teu rosto; 
Pois quanto não é Marília, 
Já não posso ver com gosto. 
Noutra idade me alegrava,
Até quando conversava 
Com o mais rude vaqueiro: 
Hoje, ó Bela, me aborrece 
Inda o trato lisonjeiro 
Do mais discreto pastor 
Que efeitos são os que sinto? 
Serão efeitos de Amor? 
Saio da minha cabana 
Sem reparar no que faço: 
Busco o sítio aonde moras, 
Suspendo defronte o passo. 
Fito os olhos na janela,
Aonde, Marília bela, 
Tu chegas ao fim do dia; 
Se alguém passa, e te saúda, 
Bem que seja cortesia, 
Se acende na face a cor. 
Que efeitos são os que sinto? 
Serão os efeitos de Amor? 
Se estou, Marília, contigo, 
Não tenho um leve cuidado; 
Nem me lembra se são horas 
De levar à fonte o gado. 
Se vivo de ti distante,
Ao minuto, ao breve instante 
Finge um dia o meu desgosto: 
Jamais, Pastora, te vejo 
Que em seu semblante composto 
Não veja graça maior. 
Que efeitos são os que sinto? 
Serão os efeitos de Amor? 
Ando já com o juízo, 
Marília, tão perturbado, 
Que no mesmo aberto sulco 
Meto de novo o arado. 
Aqui no centeio pego,
Noutra parte em vão o sego: 
Se alguém comigo conversa, 
Ou não respondo, ou respondo 
Noutra coisa tão diversa, 
Que nexo não tem menor. 
Que efeitos são os que sinto? 
Serão os efeitos de Amor? 
Se geme o bufo agoureiro, 
Só Marília me desvela, 
Enche-se o peito de mágoa, 
E não sei a causa dela. 
Mal durmo, Marília, sonho
Que fero leão medonho 
Te devora nos meus braços: 
Gela-se o sangue nas veias, 
E solto do sono os laços 
À força da imensa dor. 
Ah! que os efeitos, que sinto, 
Só são efeitos de Amor.

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