terça-feira, 14 de junho de 2011

16.Sermão aos peixes de Padre Antônio Vieira

No quarto centenário do nascimento do Padre António Vieira, presto homenagem ao missionário, ao
orador, ao escritor, ao patriota, ao diplomata, ao perseguido pela Inquisição, ao defensor dos índios e
dos negros, puxando a atenção para a actualidade pavorosa do seu sermão aos peixes. Sermão de
invulgar coragem frente aos colonos do Brasil. Não tinha Cristo chamado aos pregadores o sal da terra?
Ora, "o efeito do sal é impedir a corrupção".

É preciso ouvir as repreensões, que, se não servirem de "emenda", servirão ao menos de 

 escândalo é grande, mas a circunstância fá-lo maior. "Não só vos comeis uns aos outros, senão 

que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos 

comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os 

pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande."

"confusão". E qual é a confusão? É que os peixes como os homens se comem uns aos outros. O

Quando Portugal é apontado como o país da União Europeia com maior desigualdade na 

repartição dos
rendimentos e a corrupção campeia e os ricos se tornam cada vez mais ricos e os pobres 

cada vez mais
pobres e se anuncia uma conflitualidade social iminente, que diria o Padre António Vieira? 

Perguntaria:
"Que maldade é esta, à qual Deus singularmente chama maldade, como se não houvera outra 

no
mundo?" E responderia: "A maldade é comerem-se os homens uns aos outros, e os que a 

cometem são
os maiores, que comem os pequenos." "Diz Deus que comem os homens não só o seu povo, 

senão
declaradamente a sua plebe; porque a plebe e os plebeus, que são os mais pequenos, os que 

menos
podem e os que menos avultam na república, estes são os comidos. E não só diz que os 

comem de
qualquer modo, senão que os engolem e devoram."

Que diria o Padre António Vieira frente a uma Justiça que não funciona ou que funciona mal e 

na qual os
mais fracos e pobres não podem confiar muito? "Vede um homem desses que andam 

perseguidos de
pleitos ou acusados de crimes, e olhai quantos o estão comendo. Come-o o meirinho, come-o 

o carcereiro, come-o o escrivão, come-o o solicitador, come-o o advogado, come-o a 

testemunha, come-o
o julgador, e ainda não está sentenciado e já está comido."

Com a subida dos preços alimentares, está aí mais fome. Evidentemente, para os pequenos. 

Há razões
várias para a carência, mas uma delas é a especulação. Como é possível especular com o 

sangue dos
pobres? "Porque os grandes que têm o mando das cidades e das províncias, não se contenta 

a sua fome
de comer os pequenos um por um, ou poucos a poucos, senão que devoram e engolem os 

povos
inteiros. E de que modo os devoram e comem? Não como os outros comeres, senão como 

pão.
A diferença que há entre o pão e os outros comeres é que para a carne há dias de carne, e 

para o peixe,
dias de peixe, e para as frutas, diferentes meses do ano; porém o pão é comer de todos os 

dias, que
sempre e continuadamente se come: e isto é o que padecem os pequenos. São o pão 

quotidiano dos
grandes; e assim como o pão se come com tudo, assim com tudo e em tudo são comidos os 

miseráveis pequenos.''
Frente a uma ASAE que "permite" que governantes fumem em aviões 

fretados, mas inutiliza comida a
instituições de solidariedade social por incumprimento de regras meramente 

formais, que diria o Padre
António Vieira? "Os maiores comem os pequenos; e os muito grandes não 

só os comem um por um,
senão os cardumes inteiros, e isto continuamente sem diferença de tempos, 

não só de dia, senão
também de noite, às claras e às escuras." Os pequenos não têm nem fazem 

ofício "em que os não
carreguem, em que os não multem, em que os não defraudem, em que os 

não comam, traguem e
devorem".

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